Atualmente os grandes centros urbanos têm apresentado um aumento de condomínios residenciais como forma de moradia. Estes, oferecem aos seus moradores, infraestrutura com segurança e itens de lazer, possibilitando uma vida em comunidade, com uma melhor qualidade de vida, e, principalmente, com baixo custo aos seus moradores.
Mas, não quer dizer que todos os dias têm sol. Um dos maiores problemas que os condomínios enfrentam, é a questão da inadimplência das taxas condominiais.
Visando reduzir suas inadimplências, muitos condomínios têm implantado o sistema de individualização da água, onde são instalados hidrômetros individuais em cada unidade habitacional.
Neste modelo, a concessionária fornece a água ao condomínio e realiza a cobrança do valor total em conta única. Já o condomínio, faz a leitura dos hidrômetros individuais e emite a cobrança a cada unidade conforme o seu consumo. O que de certa forma, passa a ser um rateio justo, visto que cada um pagará pelo seu consumo individual.
E quanto aqueles que, mesmo assim, continuarem inadimplentes, o que fazer? Pode haver o corte no fornecimento de água?
A prestação de serviços públicos, incluído o fornecimento de água, está previsto no artigo 175, da Constituição Federal e regulamentado pela Lei das Concessões (Lei nº 8.987/95), que autoriza a descontinuidade do fornecimento de água por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade (art. 6º, §3º, II).
Dito isto, e, em se tratando de condomínio, antes de mais nada, para possa ocorrer o corte no fornecimento de água da unidade habitacional, é necessário que tal penalidade esteja prevista na Convenção do Condomínio. Se assim não for, será necessário atualizá-la.
Para tanto, o disposto no artigo 1.351 do Código Civil exige uma aprovação mínima de 2/3 (dois terços) de todos os condôminos/proprietários em assembleia convocada para tal fim. Caso o condomínio não observe tal recomendação, poderá incorrer em sérios prejuízos, visto que não terá segurança jurídica para justificar o corte.
Vale ressaltar que a suspensão no fornecimento de água, deve ser precedida de prévio aviso ao condômino inadimplente, e de acordo com as regras fixadas na assembleia, para débitos não pretéritos.
E ainda, que neste cenário, o condomínio age tão somente em defesa dos interesses da coletividade dos condôminos, prejudicados pelo condômino inadimplente. Portanto, o condomínio não se confunde como fornecedor ou prestador de serviço, logo, aqui, não existe relação de consumo entre os envolvidos .
Nessa toada, condôminos inadimplentes penalizados com o corte de água, têm buscado o judiciário para reverter a suspensão no fornecimento de água. Daí, temos uma corrente que defende que o corte realizado pelo condomínio, observados os requisitos aqui já mencionados é lícito, não havendo qualquer irregularidade:
CONDOMÍNIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. FORNECIMENTO DE ÁGUA PELO CONDOMÍNIO ÀS UNIDADES CONDOMINIAIS DE FORMA INDIVIDUALIZADA. POSSIBILIDADE DE CORTE, UMA VEZ IDENTIFICADA A INADIMPLÊNCIA POR PARTE DE CONDÔMINO. MEDIDA AUTORIZADA POR DELIBERAÇÃO ASSEMBLEAR VÁLIDA E EFICAZ. POSSIBILIDADE DE SUA ADOÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO QUE PREVALECE. ELEVAÇÃO DA VERBA
HONORÁRIA SUCUMBENCIAL. RECURSO
IMPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO. 1. Por deliberação da assembleia geral válida e eficaz, foi adotado o sistema de individualização do fornecimento de água do condomínio às respectivas unidades, com a previsão de corte na hipótese de inadimplemento. 2. O autor deixou de efetuar o pagamento respectivo e não há fundamento para a resistência, considerando que nenhum problema foi encontrado em relação à prestação do serviço à sua unidade. 3. Trata-se de providência amparada em deliberação assemblear e nenhum obstáculo de ordem legal existe à sua adoção, que objetiva assegurar a continuidade do próprio condomínio e o equilíbrio nas relações entre os condôminos, como fator de proteção à coletividade. 4. Daí advém o reconhecimento da improcedência do pedido voltado ao afastamento da medida e de reparação de danos. 5. Diante do resultado, e por incidência do artigo 85, § 11, do CPC, eleva-se a verba honorária sucumbencial de responsabilidade do autor a R$ 2.000,00 para os patronos de cada uma das partes demandadas.
(TJ-SP – AC: 10117969120168260007 SP 1011796-
91.2016.8.26.0007, Relator: Antonio Rigolin, Data de Julgamento: 25/07/2017, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/11/2019)
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APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA DA UNIDADE INADIMPLENTE. POSSIBILIDADE. PREVISÃO EM ASSEMBLÉIA-GERAL EXTRAORDINÁRIA. Havendo
previsão em assembleia-geral extraordinária, mostra- se possível ao condomínio proceder ao corte no fornecimento de água da unidade habitacional inadimplente com as respectivas quotas condominiais. APELO PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70078415171, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Julgado em 29/08/2018).
(TJ-RS – AC: 70078415171 RS, Relator: Dilso
Domingos Pereira, Data de Julgamento: 29/08/2018, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 09/11/2018)
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AGRAVO DE INSTRUMENTO- AÇÃO CIVIL PÚBLICA- CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA- CONDOMÍNIO RESIDENCIAL- CONDÔMINOS INADIMPLENTES- NOTIFICAÇÃO PRÉVIA- ACORDO EXPRESSO EM CONVENÇÃO- RECURSO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. O corte do abastecimento de água, se condiciona ao atendimento de requisitos, sendo o principal deles a efetiva situação de inadimplência do consumidor, e a cautela por parte do prestador do serviço de forma a oportunizar a regularização da situação, independente do mecanismo extremo. Configura exercício regular de direito do Condomínio o corte do fornecimento de água do condômino inadimplente, por se tratar de bem disponibilizado pelo próprio Condomínio, financiado pelos condôminos e acordado de forma unânime em Convenção.
(TJ-MG – AI: 10153160049570001 MG, Relator:
Belizário de Lacerda, Data de Julgamento: 05/09/2017, Câmaras Cíveis / 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 11/09/2017)
Por outro lado, existe outra corrente que defende que as sanções impostas ao condômino inadimplente têm que ser unicamente de cunho pecuniário, seja com a aplicação juros e multas, como também pela possibilidade do protesto e da execução judicial das taxas condominiais em aberto (art. 784, X, CPC). A única exceção seria a vedação do direito ao voto em assembleias condominiais, que está previsto no art. 1.335, III, do Código Civil.
Alguns seguidores desta corrente, apesar de defender a suspensão do corte, entendem pela inexistência de dano moral, uma vez que tal condenação iria onerar ainda mais o condomínio que já sofre com os condôminos inadimplentes:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDÔMINO INADIMPLENTE. PRETENSÃO DE SUSPENSÃO DO SERVIÇO DE ÁGUA E LIMPEZA. IMPOSSIBILIDADE. INADIMPLENTE QUE
DEVE SER SUBMETIDO À SANÇÕES DE CARÁTER ECONÔMICO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DO FEITO AO CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. À UNANIMIDADE.
(TJ-AL – AI: 08077771120198020000 AL 0807777-
11.2019.8.02.0000, Relator: Des. Pedro Augusto Mendonça de Araújo, Data de Julgamento: 12/03/2020, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 12/03/2020)
“APELAÇÃO. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA EM RAZÃO DE INADIMPLÊNCIA. CONDUTA IRREGULAR DO CONDOMÍNIO, MAS COM BASE EM PROVIDÊNCIA APROVADA EM ASSEMBLEIA. CONDENAÇÃO DO CONDOMÍNIO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO
NESTA PARTE PROVIDO. Não é possível a condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral, pois a medida foi adotada, em princípio, com apoio em suas normas internas. Além disso, o autor contribuiu de maneira importante para a ocorrência dos fatos, pois estava inadimplente vários meses. Também não é razoável onerar ainda mais os demais condôminos, que cumprem rigorosamente com suas obrigações, ao pagamento de indenização ao condômino inadimplente, ainda que injustamente impedido de usufruir de serviço essencial. É certo que o condomínio agiu de forma irregular ao suspender o fornecimento de água. Todavia, inexiste nos autos qualquer elemento que comprove que autor tenha tentado realizar algum acordo extrajudicial para pagamento, pelo menos, do débito pelo fornecimento de água. O serviço de abastecimento de água é essencial, mas não é gratuito.” (TJ-SP 10038347220168260506 SP 1003834-
72.2016.8.26.0506, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 21/06/2018, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/06/2018).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER MOVIDA PELA AGRAVADA. PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO DO FORNECIMENTO DE GÁS EM UNIDADE HABITACIONAL INTEGRANTE DE CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. CONCESSÃO DA TUTELA. DETERMINAÇÃO DE FORNECIMENTO DO SERVIÇO CORRESPONDENTE. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DO CONDOMÍNIO. ALEGAÇÃO DE QUE A SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DO GÁS FOI AUTORIZADA PELOS CONDÔMINOS EM ATA DE ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA, SENDO LEGAL O ATO. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DO GÁS NOS MOLDES PRETENDIDOS PELO CONDOMÍNIO. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE CONTRIBUIÇÃO COM AS DESPESAS CONDOMINIAIS. SANÇÕES PECUNIÁRIAS TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO CODIGO CIVIL. IDÔNEOS E EFICAZES INSTRUMENTOS LEGAIS DE COERCIBILIDADE, DE GARANTIA E DE COBRANÇA POSTOS À DISPOSIÇÃO DO CONDOMÍNIO. DECISÃO DE 1º GRAU QUE SE IMPÕE. PRECEDENTES RECENTES DO STJ QUE ESPELHAM A INTERPRETAÇÃO MANEJADA NO PRESENTE TEMA. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. I
– O condomínio, independentemente de previsão em Regimento Interno ou de deliberação manifestada em Ata de Assembléia Geral Extraordinária, não pode proibir ou coibir, em razão de inadimplência, condômino e seus familiares de usar os serviços
destinados à sua unidade habitacional, a dizer, o fornecimento de gás incluso em boleto mensal de taxa condominial; II – Este direito se estende, inclusive às outras áreas comuns, ainda que destinadas somente a lazer e provém do fato de que, por lei, a unidade habitacional abrange não apenas uma fração ideal no solo, mas também as demais partes do condomínio; III – Na hipótese de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais a própria lei confere meios coercitivos, legítimos e idôneos, à satisfação do crédito, descabendo ao condomínio valer-se de sanções outras que não as pecuniárias expressas e taxativamente previstas para o específico caso de inadimplemento das despesas condominiais; IV – O Código de Processo Civil em vigor prevê, ainda, que as cotas condominiais, bem como os débitos nelas incluídos, possuem natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), permitindo, assim, o ajuizamento direto de demanda específica, tornando a satisfação do débito ainda mais rápida; V – Precedentes do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.564.030-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 09/08/2016, bem ainda no REsp 1247020/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 15/10/2015; VI -Conhecimento e desprovimento do Agravo de Instrumento. (TJ- RN – AI: 20170050966 RN, Relator: Desembargador Vivaldo Pinheiro, Data de Julgamento: 11/07/2017, 3ª Câmara Cível)
Assim, considerando que ainda não existe um entendimento pacificado, a possibilidade ou não do condomínio efetuar a
suspensão do fornecimento de água, deve ser tratada com cautela. Visto que, as decisões do condomínio podem acarretar em consequências no âmbito judicial.
Para tanto, sugerimos ao condomínio antes de adotar qualquer medida que vise reduzir a inadimplência, procure orientações junto ao seu advogado quanto ao caminho a ser seguido.
Por Raphael Marinho