Mais uma vez, uma foto que representa o tamanho da indiferença com que se trata o outro chocou o mundo essa semana. Óscar Martinez e sua filha, Valeria, de quase dois anos, morreram afogados enquanto tentavam atravessar o Rio Grande, fugindo do estado de miséria que enfrentavam em El Salvador.
Esta foto relembrou, tristemente, aquela outra que convulsionou o mundo em 2015, do menino sírio Aylan Kurdi, de três anos, deitado em uma praia turca, que também sucumbiu sob as águas geladas do Mediterrâneo enquanto fugia da guerra que assolava o seu país.
A crise migratória é um dos maiores desafios desta Era. Hoje, são 258 milhões de pessoas que estão deslocadas ou são imigrantes. A ONU acabou de divulgar que, nos últimos quatro anos, morreu uma criança imigrante por dia ao tentar chegar a um lugar seguro.
Estas tragédias humanas serviram, pelo menos, para mover a ONU que, com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos, liderou uma negociação que culminou, em dezembro de 2018, com a aprovação do Pacto Mundial para Migração das Nações Unidas, firmado em Marrakesh, Marrocos, ratificado por representantes de quase 160 países.
São 23 pontos que propõem uma cooperação multilateral de políticas públicas que visam, além da repressão de quadrilhas do tráfico de seres humanos, garantir a migração segura, ordenada e regular de grupos sociais oriundos de países em guerra ou grave comprometimento político-econômico.
O Brasil, que tem e teve importante participação de imigrantes em sua construção histórica e cultural, apoiou a formalização do Pacto de Marrakesh ativamente no ano passado, mas, a nova política externa parece não se sensibilizar com a questão dos imigrantes, perpetrando um enorme erro jurídico e humanitário.
É que a Constituição Federal brasileira, em seu art. 3º, Inciso IX, dispõe que a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade é princípio fundamental, envolvendo, inclusive, a problemática da migração.
Além disso, a Lei n. 13.445/2017, que regulamentou a política de migração no Brasil, fixou vários princípios específicos como a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, a não criminalização da migração e a acolhida humanitária, dentre outros, impondo ao Brasil o dever inescusável de ratificar o pacto.
É necessário que o Pacto de Marrakesh seja exitoso com urgência, e as nações atuem em cooperação internacional para minimizar a dor, o risco e o sofrimento daqueles que já foram abandonados à própria sorte pelos seus países. Eles, assim como nós, só querem a oportunidade de viver em paz.
Enquanto isso, a empatia e a esperança na humanidade, assim como as crianças sem lar iguais a Valéria e Aylan, gritam por socorro engolfadas pelas águas da indiferença.
Kennedy Diógenes