ARTIGOS

Moro, Dallagnol e outros mitos

Muitas pessoas próximas têm me indagado, com alguma preocupação, sobre esta celeuma envolvendo o vazamento de mensagens de telegram trocadas entre o ex-juiz federal Sérgio Moro e o Coordenador da Lavajato em Curitiba, o Procurador da República Deltan Dallagnol, e suas repercussões na afamada operação que desbaratou o maior caso de corrupção no mundo moderno.

Preciso alertar, inicialmente, que não entrarei no mérito moral que permeia o bate-papo virtual entre Moro e Dallagnol, uma vez que é, de fato, pouco ortodoxo no meio jurídico, embora os defensores da Lavajato tentem justificar estas e outras medidas que caminharam na linha fronteiriça do ilícito, alegando que somente assim seria possível revelar a extensão e a complexidade dos crimes de corrupção investigados no Brasil.

O meu objetivo é esclarecer alguns pontos ao responder clara e objetivamente a três questões: se tais mensagens extraídas de forma ilícita servem como prova; se suspeição gera nulidade no processo; e se as mensagens do telegram poderão instruir o HC de Lula que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal.

A questão inicial diz respeito às interceptações de conversas particulares sem autorização judicial, o que se configura em uma prova flagrantemente ilícita, não servindo para instruir acusação contra ninguém. Portanto, Moro e Dallagnol não poderão ser processados com base nestas provas. No entanto, o STF tem admitido uma única exceção para a prova ilícita, sendo utilizada em prol da defesa do acusado. Assim, Lula poderá utilizar estas provas em seu favor, devendo comprovar em uma revisão criminal que juiz e MP agiram juntos com o propósito de incriminá-lo.

A segunda questão trata da suspeição do juiz, ou seja, a demonstração de que o magistrado poderia possuir interesse na causa. Caso se constate a suspeição, o processo poderá, sim, ser considerado nulo. Entretanto, o Código de Processo Penal dispõe que nulidades como a suspeição poderão ser sanadas: quando não forem arguidas em tempo oportuno; se, mesmo praticado por outra forma, o ato tiver atingido seu fim; ou se a parte, ainda que tacitamente, tiver aceitado seus efeitos. Como se vê, é necessária a comprovação de prejuízo para que o processo seja declarado nulo. No caso do Tríplex, por exemplo, a condenação de Lula foi analisada pelo TRF da 4a. Região e pelo Superior Tribunal de Justiça. Ambas as instâncias a confirmaram, rejeitando os incidentes de suspeição arguidos pela defesa. Ou seja, vários magistrados analisaram as mesmas provas e chegaram à conclusão de que Lula deveria ser condenado, diminuindo, e muito, a chance de se reverter ou anular aquela condenação.

Quanto ao impacto das referidas mensagens no julgamento do HC de Lula no Supremo Tribunal Federal, previsto para ocorrer no dia 25 de junho próximo, é possível dizer que a nossa jurisprudência tem se firmado no sentido de que o conhecimento do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar de maneira inequívoca a pretensão deduzida e a existência do evidente constrangimento ilegal. No caso Lula, não é possível a juntada de novos elementos no HC em julgamento, ainda que relevantes, podendo ser objeto de outros procedimentos interpostos no futuro. Assim, caso o STF acompanhe a jurisprudência uníssona, as mensagens do telegram não deverão ter qualquer impacto jurídico neste julgamento.

Por fim, é importante observar que o combate à corrupção sistêmica no Brasil é, talvez, o maior desafio desta década. Todos concordam que esse é o caminho para o crescimento e desenvolvimento dos setores produtivos, exceto aquela minoria que se locupleta ilicitamente. O que se debate não é a continuidade desta luta contra os que dilapidam o patrimônio público, mas a forma. Vale tudo para prender corruptos, até passar por cima de garantias constitucionais? Os fins justificam os meios? São estas as questões que devemos enfrentar, reconhecendo a inegável contribuição da Lavajato no raiar desse novo tempo.

Kennedy Diógenes

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